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O que è?
Segundo o projeto dos seus formuladores – Hervé
This e Nocholas Kurti (1908-1998) -, a gastronomia molecular corresponde a uma
nova maneira de considerar o que se passa dentro das cozinhas, do ponto de
vista físico e químico.
É também uma proposta generosa, pois, seguindo
Brillat-Savarin (1755-1826), Hervé This repete que “a descoberta de uma prato
novo faz mais para a felicidade da humanidade do que a descoberta de uma estrela
nova”. Já para Nicholas Kurti, físico húngaro radicado na Inglaterra que
trabalhou no projeto da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial,
trata-se de uma forma de tornar tangível o conhecimento científico, pois, em
geral, “sabe-se mais sobre o interior de uma estrela do que de um suflê”. Do
ponto de vista da comunicação, é uma maneira exitosa de levar a um público mais
amplo o conhecimento científico.
Algo assim, polissêmico, cria naturalmente
confusões. Mesmo alguns chefs de cozinha que ocupam posição de vanguarda,
depois de haverem abraçado as descobertas de Hervé This, já se preocupam em
demarcar distâncias, afirmando em público que não fazem cozinha molecular. Mas
o grande chef Ferran Adrià, o “número 1” da atualidade, não deixa de reconhecer
que, quase por acaso, assistiu a uma palestra de This em Biarritz – o que mudou
completamente a sua vida: “Graças a essa descoberta compreendi que meu estilo
podia seguir uma nova direção e, desde logo, algumas idéias que coloquei em
prática no[restaurante] El Bulli, e que se transformaram em verdadeiro sucesso,
nasceram naquela conferência”.
Os críticos refratários à gastronomia molecular
talvez devessem dar maior atenção à maneira como Hervé This a definiu: ela é “a
ciência que estuda as transformações e outros fenômenos culinários. O steak
grelhado, por exemplo, é uma transformação, a clara do ovo que coagula é outra
etc. De acordo com essas transformações nós estudamos e calculamos tudo. O
conjunto dos conhecimentos assim produzidos constitui a gastronomia molecular.
Movidos por preferências pessoais pela culinária,
os dois cientistas se deram conta de um descompasso enorme de desenvolvimento
entre o que se passa dentro de uma cozinha e as demais áreas de conhecimento
científico. Apesar da eletrificação dos gestos culinários (batedeira,
liquidificador, refrigerador) e outros pequenos avanços nos últimos 100 anos,
boa parte do conhecimento em que se baseava o cozinhar nos vinha, intacto, da
Idade Média.
A investigação dos provérbios culinários; a
exploração laboratorial das receitas; a introdução de novos equipamentos,
ingredientes e métodos de cozinha; a invenção de novos pratos; e, finalmente, a
utilização da gastronomia molecular para ajudar o público a compreender como a
ciência pode contribuir para o bem estar da sociedade – tudo isso constituiu,
aos poucos, o programa que garante o sucesso da gastronomia molecular.
Quando físicos e químicos “invadem” a cozinha e,
por meio de experimentos controlados e com o apoio de equipamentos
laboratoriais, passam pelo crivo da crítica todo o conhecimento tradicional
associado às mais decantadas preparações culinárias, é toda uma nova cultura
que começa a se desenhar a partir da experimentação, coisa que podemos chamar
de culinária racional.
De fato, a gastronomia molecular respondia a varias
necessidades novas. A industria da alimentação partiu dos conhecimentos
tradicionais de cozinha, os reformulou e avançou, ao passo que a culinária
domestica e aquela dos restaurantes ficaram, ao longo do período, ancoradas
ainda na tradição. A gastronomia molecular rompe essa barreira e submete o que
se passa nas cozinhas domésticas e de restaurantes às mesmas indagações que
imprimem dinâmica à indústria da alimentação.
Hoje, a indústria e restaurantes procuram responder
aos novos reclamos por uma alimentação mais saudável, mais saborosa e com
menores riscos porque mais controlada.
É por essa razão que a gastronomia
molecular não está em contradição com qualquer tipo de culinária, visto que as
receitas mais tradicionais passam a ser compreendidas em suas minúcias,
podendo-se otimizar aqueles aspectos do “gosto” que são mais valorizados e
afastar eventuais riscos implicados nas formas tradicionais de preparo.
Os próprios valores do público apontam nessa
direção, privilegiando a “inovação”, o “inusitado” e a “surpresa” onde, antes,
prevalecia a repetição monótona de um procedimento qualquer.
Do ponto de vista prático, esses desenvolvimentos
só foram possíveis quando, a partir de 1992, os físicos, químicos e chefs de
cozinha, sob liderança de This e Kurti, se reuniram em seminários multidisciplinares, em Erice,
para estruturar experimentos controlados a partir dos provérbios culinários.