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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Gastronomia molecular


Imagem: http://i0.ig.com/fw/bs/pa/50/bspa507qe52hzit6re5zqgf51.jpg

O que è?

Segundo o projeto dos seus formuladores – Hervé This e Nocholas Kurti (1908-1998) -, a gastronomia molecular corresponde a uma nova maneira de considerar o que se passa dentro das cozinhas, do ponto de vista físico e químico. 

É também uma proposta generosa, pois, seguindo Brillat-Savarin (1755-1826), Hervé This repete que “a descoberta de uma prato novo faz mais para a felicidade da humanidade do que a descoberta de uma estrela nova”. Já para Nicholas Kurti, físico húngaro radicado na Inglaterra que trabalhou no projeto da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial, trata-se de uma forma de tornar tangível o conhecimento científico, pois, em geral, “sabe-se mais sobre o interior de uma estrela do que de um suflê”. Do ponto de vista da comunicação, é uma maneira exitosa de levar a um público mais amplo o conhecimento científico.

Algo assim, polissêmico, cria naturalmente confusões. Mesmo alguns chefs de cozinha que ocupam posição de vanguarda, depois de haverem abraçado as descobertas de Hervé This, já se preocupam em demarcar distâncias, afirmando em público que não fazem cozinha molecular. Mas o grande chef Ferran Adrià, o “número 1” da atualidade, não deixa de reconhecer que, quase por acaso, assistiu a uma palestra de This em Biarritz – o que mudou completamente a sua vida: “Graças a essa descoberta compreendi que meu estilo podia seguir uma nova direção e, desde logo, algumas idéias que coloquei em prática no[restaurante] El Bulli, e que se transformaram em verdadeiro sucesso, nasceram naquela conferência”.

Os críticos refratários à gastronomia molecular talvez devessem dar maior atenção à maneira como Hervé This a definiu: ela é “a ciência que estuda as transformações e outros fenômenos culinários. O steak grelhado, por exemplo, é uma transformação, a clara do ovo que coagula é outra etc. De acordo com essas transformações nós estudamos e calculamos tudo. O conjunto dos conhecimentos assim produzidos constitui a gastronomia molecular.

Movidos por preferências pessoais pela culinária, os dois cientistas se deram conta de um descompasso enorme de desenvolvimento entre o que se passa dentro de uma cozinha e as demais áreas de conhecimento científico. Apesar da eletrificação dos gestos culinários (batedeira, liquidificador, refrigerador) e outros pequenos avanços nos últimos 100 anos, boa parte do conhecimento em que se baseava o cozinhar nos vinha, intacto, da Idade Média.

A investigação dos provérbios culinários; a exploração laboratorial das receitas; a introdução de novos equipamentos, ingredientes e métodos de cozinha; a invenção de novos pratos; e, finalmente, a utilização da gastronomia molecular para ajudar o público a compreender como a ciência pode contribuir para o bem estar da sociedade – tudo isso constituiu, aos poucos, o programa que garante o sucesso da gastronomia molecular.

Quando físicos e químicos “invadem” a cozinha e, por meio de experimentos controlados e com o apoio de equipamentos laboratoriais, passam pelo crivo da crítica todo o conhecimento tradicional associado às mais decantadas preparações culinárias, é toda uma nova cultura que começa a se desenhar a partir da experimentação, coisa que podemos chamar de culinária racional.

De fato, a gastronomia molecular respondia a varias necessidades novas. A industria da alimentação partiu dos conhecimentos tradicionais de cozinha, os reformulou e avançou, ao passo que a culinária domestica e aquela dos restaurantes ficaram, ao longo do período, ancoradas ainda na tradição. A gastronomia molecular rompe essa barreira e submete o que se passa nas cozinhas domésticas e de restaurantes às mesmas indagações que imprimem dinâmica à indústria da alimentação.

Hoje, a indústria e restaurantes procuram responder aos novos reclamos por uma alimentação mais saudável, mais saborosa e com menores riscos porque mais controlada.

É por essa razão que a gastronomia molecular não está em contradição com qualquer tipo de culinária, visto que as receitas mais tradicionais passam a ser compreendidas em suas minúcias, podendo-se otimizar aqueles aspectos do “gosto” que são mais valorizados e afastar eventuais riscos implicados nas formas tradicionais de preparo.

Os próprios valores do público apontam nessa direção, privilegiando a “inovação”, o “inusitado” e a “surpresa” onde, antes, prevalecia a repetição monótona de um procedimento qualquer.

Do ponto de vista prático, esses desenvolvimentos só foram possíveis quando, a partir de 1992, os físicos, químicos e chefs de cozinha, sob liderança de This e Kurti, se reuniram  em seminários multidisciplinares, em Erice, para estruturar experimentos controlados a partir dos provérbios culinários.